O Ouro do Imperador - Capítulo 7
Originalmente publicado em 2015-01-24 03:15 no blog Patinete a vela.
Este é o texto 8 de 10 da Primeira Maratona de Posts do Patinete a Vela.
Se você ainda não o fez, leia O ouro do Imperador - Capítulo 6.
O Ouro do Imperador
Capítulo 7
Onde barriga cheia e um lugar quente para dormir fazem maravilhas.
Henrique acordou subitamente de um sonho perturbador. A dor que sentia em sua perna provocou nele pesadelos terríveis, e quando acordou ainda percebeu que estava tremendo de frio. Saiu da barraca e encontrou Roberto se aquecendo em uma pequena fogueira.
– A temperatura caiu uns dez graus durante a noite – disse Roberto com uma voz rouca. Sua gripe parecia ter piorado.
– Eu acho que nós temos que desistir da busca. Estou sentindo muita dor.
Roberto olhou para Henrique com um ar de preocupação.
– Não podemos desistir agora, estamos muito perto.
– Mas nós nem sequer temos comida! Vamos morrer aqui sem ninguém ficar sabendo.
– Calma Henrique! Chega de tanta frescura! Sua perna vai melhorar. Sei que foi um corte muito fundo, mas se mantivermos a ferida limpa e você continuar tomando antibióticos vai dar tudo certo.
– Você está obcecado com a idéia do tesouro. Se nós voltarmos para a cidade até eu me recuperar, depois podemos voltar e continuar de onde paramos!
– Não podemos arriscar que os locais de Martigny suspeitem do que estávamos fazendo. Desculpa Henrique, nós vamos ficar.
Henrique estava começando a ficar em pânico. Roberto tentou acalmá-lo.
– Henrique, eu sei que você não está em condições de caminhar. Eu me proponho a procurar comida, e é melhor que eu vá sozinho senão você vai nos atrasar muito.
Henrique não queria ficar sozinho, mas pensou bem e achou que seria melhor deixar Roberto ir.
– Tá certo, mas por favor não demore.
– Você está sob meus cuidados! Não se preocupe!
Antes de ir, Roberto trocou o curativo de Henrique. Já era hora, pois a faixa de algodão estava ensopada de sangue. Henrique, delirante que estava, não achou estranho que Roberto guardou os curativos em seu bolso.
Roberto se despediu e partiu em busca de comida. Havia deixado sua mochila para não atrapalhar em sua caminhada. Assim que se passaram alguns minutos e teve certeza que Roberto já estava longe, Henrique saltou em direção à mochila de seu amigo.
“Tem que estar por aqui, em algum lugar”, pensou.
Continuou procurando até que encontrou o que procurava: o telefone via satélite.
“Ótimo! Nem a pau vou continuar aqui nessa montanha com esse maníaco obcecado!”, pensou enquanto apertava o botão para ligar o aparelho.
Mas nada acontecia. Insistiu mais um pouco, até que pensou em checar as pilhas e constatou que estas haviam sido removidas do aparelho.
“Desgraçado! Onde estão essas pilhas malditas?”.
Revirou a mochila e não conseguiu encontrar nada. Recorreu então aos detectores de metal e constatou que as pilhas também haviam sido removidas. Chegou à conclusão de que não adiantaria continuar insistindo: seu amigo não ficaria satisfeito enquanto não encontrassem o tesouro.
Sentou-se contra uma rocha e ficou lá, olhando para o horizonte e esperando.
Algumas horas depois, Roberto voltou. Ele estava com um sorriso enorme no rosto e carregava em seu ombro um carneiro morto.
– Olha só o que consegui! Espero que você goste de uma carne suculenta mal passada porque hoje vamos matar a fome de forma gloriosa!
Henrique olhou para Roberto surpreso.
– Eu não sabia que você sabia caçar.
– Você nem imagina! Além disso encontrei aqui perto uma caverna excelente para passarmos a noite e nos protegermos do frio.
Ao terminar de falar isto, Roberto percebeu que sua mochila estava aberta e as coisas espalhadas pelo chão.
– O que aconteceu?
– Você tirou todas as pilhas dos equipamentos eletrônicos.
– Ah, é mesmo, eu não queria arriscar a que você fizesse uma besteira.
– Você não tem esse direito. Você está arriscando a minha vida. Eu preciso de tratamento médico.
Roberto olhou para Henrique com uma expressão séria, e então disse:
– Sabe o que vai te animar? Um belo pedaço de carne assada. Acho que é a fome que está falando metade das palavras que saem da sua boca. Deixa comigo que já resolveremos esse problema.
De fato, bastou Roberto começar a assar o carneiro que o delicioso aroma acertou Henrique como uma bigorna. Assim que matou sua fome, os ânimos de Henrique se acalmaram.
– Tá bom, acho que você tem razão. Não adianta nos precipitarmos e largarmos tudo. Eu acho que a dor já está começando a diminuir.
– Esse é meu garoto.
Levantaram acampamento e se dirigiram à tal caverna que Roberto havia encontrado. Ela se encontrava em um local absurdamente conveniente, a poucos metros de altura com relação à trilha que estavam seguindo.
Eles se instalaram na caverna e acenderam uma fogueira. Roberto aproveitou para revisar o mapa.
– Estamos muito perto do local apontado pelo mapa. Tem uma área um pouco grande onde pode estar o tesouro e vamos precisar de uns dois dias de busca para encontrar alguma coisa, mas o bom é que esta caverna está em um ponto privilegiado para nos facilitar a busca.
– Eu não estou em condições de procurar, Roberto.
– Não tem problema, só fique aqui na caverna tomando conta das coisas e eu vou fazer a busca.
Roberto saiu e deixou Henrique sozinho. Depois de algumas horas sem ter o que fazer, Henrique decidiu explorar a caverna. Descobriu que não era funda e que durante a tarde a luz do sol a iluminava quase que totalmente. Enquanto a explorava, no entanto, encontrou algo que o preocupou. Um pequeno montículo de cinzas, mesclado a alguns gravetos parcialmente queimados eram o indício de que alguém já estivera lá e acendera uma fogueira. Roberto não gostaria de saber disso. Se alguém já estivera naquela mesma caverna, tão perto de onde estava o ouro pelo qual seu amigo estava tão obcecado, então a chance de o tesouro já tivesse sido achado era grande.
Tentou ser mais otimista e expulsar esses pensamentos negativos de sua mente. Mas era difícil. A dor de sua perna e o torpor provocado pelos antibióticos que estava tomando o deixavam mal humorado. Aproveitando que ainda estava claro, achou que seria melhor sair um pouco da caverna e explorar os arredores.
Não se afastou muito. Ficou sentado na entrada da caverna apreciando a paisagem montanhosa e vendo se conseguia encontrar Roberto no vale abaixo. Enquanto procurava, viu algo estranho, uma mancha branca sobre as rochas cinzentas, uns vinte metros abaixo da entrada da caverna. Desceu para ver o que era e descobriu que eram as bandagens ensanguentadas que Roberto trocara nesta manhã. Achou pouco civilizado por parte de Roberto que este jogasse esse “lixo hospitalar” assim, no meio da natureza, então recolheu o pano e trouxe de volta para a caverna.
Começou a assar um pedaço de carne para si e para seu amigo e começou a ficar com água na boca quando o cheiro da carne começou a preencher a caverna.
Não tardou muito para que Roberto aparecesse de volta.
– E aí, como foi a busca?
– Foi muito boa, esta área bate certinho com o que está no mapa. Tenho a impressão de que só mais um dia de busca e vamos encontrar o que viemos procurar!
– Que ótimo! E então vamos poder ir embora desta maldita montanha!
Os amigos jantaram e conversaram alegremente, ou pelo menos o mais alegremente possível dadas as circunstâncias agravantes impostas pela perna ferida de Henrique e a gripe de Roberto. Mas, por outro lado, um estômago cheio e uma caverna que os protegia do frio eram elementos muito favoráveis para levantar o espírito.
Henrique recostou-se contra uma pedra para dormir. Roberto estava removendo algumas pedras de um canto da caverna para liberar espaço para seu saco de dormir quando encontrou uma pedra com um formato um pouco estranho. Quando olhou melhor, viu que não era uma pedra e sim um pedaço de osso. Inconfundível. Um pedaço de mandíbula. Humana.
– Droga. – sussurrou para si mesmo Roberto.
– O que foi? – perguntou Henrique sem sequer abrir os olhos.
– Não foi nada, não se preocupe! – respondeu Roberto enquanto arremessava o pedaço de mandíbula para o fundo da caverna.
– Não sei por que, tenho um pressentimento de que amanhã vai ser um dia muito bom – disse Henrique.
– E eu tenho certeza.
Roberto adormeceu com um sorriso na boca. É incrível o que a perspectiva de uma grande riqueza faz com o ânimo dos homens.
…a jornada termina em O Ouro do Imperador - Último capítulo