O Ouro do Imperador - Capítulo 6
Originalmente publicado em 2015-01-23 01:51 no blog Patinete a vela.
Este é o texto 7 de 10 da Primeira Maratona de Posts do Patinete a Vela.
Se você ainda não o fez, leia O ouro do Imperador - Capítulo 5.
O Ouro do Imperador
Capítulo 6
Onde nada é tão ruim que não possa piorar.
A noite fria não ajudou Roberto a se recuperar da forte tosse que o acometia. Tanto ele quanto o Henrique dormiram muito mal, e tampouco ajudou a melhorar os ânimos a descoberta que fizeram pela manhã. As mochilas, que na noite anterior estavam fechadas perto da fogueira, agora estavam abertas com seus conteúdos espalhados pelo chão.
Henrique ajoelhou-se e começou a procurar no meio das coisas espalhadas pelo chão.
– Sumiu toda a comida! Algum animal deve ter sentido o cheiro e levou tudo!
– Porra, Henrique, não acredito, a primeira noite em que você é o último a dormir e você tem um descuido desses? Tinha que deixar as malas bem fechadas e perto da barraca, meu!
Roberto estava muito bravo, tanto que Henrique até ficou assustado.
– Puxa, Roberto, calma! Não foi intencional, eu não imaginava que algum bicho ia ter coragem de chegar perto da gente ou da fogueira!
Roberto começou a tossir violentamente, o que não o deixou mais calmo.
– Droga! Droga! DROGA! Agora vamos ter que arranjar comida em algum lugar! Não podemos voltar estando tão perto!
Henrique estava se sentindo muito mal.
– Tá bom, desculpa, nós vamos encontrar algo para comer. E além disso temos que pensar em encontrar água, já está acabando.
Durante as próximas horas reinou silêncio total entre os amigos. Desmontaram as barracas e continuaram a caminhada pela trilha que evadia pelo meio das pedras.
– Aqui nessas montanhas tem alguns lagos que se formam quando derrete a neve. Deve ter um aqui por perto. Vamos encontrá-lo e encher nossas garrafas – disse finalmente Roberto. – Vamos ter que desviar um pouco da rota do mapa, mas depois fica fácil voltar.
O resto da manhã foi dedicado a encontrar o lago. Quando o encontraram, Henrique teve uma excelente idéia:
– Será que tem peixes nesse lago? E se tentássemos pescar?
Felizmente o material de sobrevivência que Remy havia separado para cada um incluía um anzol e um fio de pesca enrolados em uma pequena haste de plástico, que funcionava como uma alça para conseguir segurar bem o fio. Eles não tinham qualquer isca, por isso tentaram usar sementes de uns matos que cresceram em volta do lago e também pescar sem isca.
Eu não queria dizer nada para não estragar o empenho com o qual os amigos se entregaram à pescaria. Parece que um instinto primitivo de sobrevivência havia se instaurado nos dois, e naquele momento eles encaravam aquela atividade como a mais importante de suas vidas. Se soubessem que naquele lago não havia um peixe qualquer, que decepção teriam!
O sol já estava alto quando desistiram da pescaria. Encheram as garrafas e tentaram voltar para a trilha onde estavam. Roberto ainda estava mal humorado, apesar de ter seguido à risca aquele conselho de adesivo de para-choque de carro, que instrui motoristas nervosos a acalmarem seus ânimos em uma relaxante pescaria. Difícil de agradar é esse menino. Mas dêmos um desconto a ele, o pouco que restara de seus ânimos após o efeito da forte gripe que vinha sentindo fora completamente obliterado pela terrível noite mal dormida. Mas eis que, enquanto desciam a encosta da montanha para retornar à trilha, Henrique recebeu um forte empurrão que o fez perder o equilíbrio e rolar encosta abaixo, batendo seu corpo violentamente contra rochas afiadas. Sua queda foi amortecida por um enorme rochedo.
– Henrique, Henrique! Você está bem cara? – veio a voz de Roberto, lá de longe. Sua voz soava genuinamente consternada.
– Estou sentindo muita dor, venha me ajudar rápido!
Roberto desceu rapidamente até onde seu amigo se encontrava.
– Eu juro que foi sem querer, eu não quis te empurrar! Eu perdi o equilíbrio, me desculpa!
Toda a raiva que Roberto estava sentindo instantaneamente se transformou em um terrível sentimento de culpa.
– Está sangrando muito, vamos tentar levantar sua calça.
– Não, para! Está doendo muito! Não mexe!
– Nós temos que ver o que aconteceu, se não tomarmos uma providência você pode acabar perdendo muito sangue.
Henrique quase desmaiou de dor enquanto Roberto levantava a perna esquerda de sua calça. O que viram não era muito alentador.
– Que corte horrível!
– Não quero nem olhar! Tenho pânico de ver essas coisas! – disse Henrique quase chorando.
– Me deixa ver o kit de primeiros socorros.
No kit Roberto encontrou água oxigenada, esparadrapo, gazes, algumas faixas de algodão e algumas cartelas de antibiótico, entre outras coisas.
– Vou limpar seu ferimento e então vai ser melhor se você tomar este antibiótico, para não arriscar a que você pegue uma infecção.
– Está doendo muito, não quero continuar, liga para o Remy e fala para ele vir nos buscar.
Roberto não pareceu muito feliz com a sugestão.
– Calma, está tudo bem. Nós vamos cuidar de seu ferimento e vamos poder continuar procurando o tesouro. Estamos quase lá, vai dar tudo certo!
– Vai lá, liga, eu quero voltar para a cidade e ir a um hospital!
– Calma Henrique! Não se precipite! A dor vai passar daqui a pouco, você vai ver!
Com toda a delicadeza que conseguiu reunir, Roberto ajudou Henrique a se levantar. Ele havia feito um curativo em seu amigo, limpando a ferida com água oxigenada e cobrindo o ferimento com uma atadura. Encontrou um galho na beira do lago e entregou para que seu amigo o usasse como bengala e assim pudesse caminhar com mais facilidade.
Se o progresso deles já era lento antes, com Henrique incapacitado desse jeito ficou muito mais lento. A cada passo que dava, Henrique sentia uma dor insuportável. Roberto se lamentava e se xingava em voz alta por ter feito aquilo com seu amigo.
O resto do dia foi perdido desse jeito. Quando Henrique não aguentou mais dar um passo sequer, decidiram parar. Roberto estava super atencioso com Henrique, é uma das maravilhas de uma mente com complexo de culpa. Montou a barraca para seu amigo, trocou seus curativos, só faltou massagear seus pés e trazer uma cerveja, mas as limitações moral e de recursos disponíveis não permitiria que Roberto fizesse estas coisas.
Henrique sentia muita dor e seu corpo começou a esquentar muito. Sentia calafrios e passou a sentir uma paranóia extrema. As sombras saltitantes que a fogueira lançava contra as pedras pareciam silhuetas de animais, e ele quase não conseguiu conter o medo quando uma das sombras lançadas contra a rocha pareceu com um monstro gigante se aproximando dele. Achou que estava delirando e decidiu ir dormir, com a esperança de que as propriedades terapêuticas do sono fizessem com que a dor fosse pelo menos mais fácil de aguentar no dia seguinte.
…continua em: O Ouro do Imperador - Capítulo 7