O Ouro do Imperador - Capítulo 2
Originalmente publicado em 2015-01-19 01:04 no blog Patinete a vela.
Este é o texto 3 de 10 da Primeira Maratona de Posts do Patinete a Vela.
Se você ainda não o fez, leia O ouro do Imperador - Capítulo 1.
O Ouro do Imperador
Capítulo 2
Onde uma viagem é organizada e nosso herói enfrenta dúvidas.
Ah, o chamado para a aventura! Que força invisível é esta, que nos puxa pelas entranhas para fora daquela zona confortável em que vivemos nossa vida e que é capaz de nos fazer trocar tudo, segurança, estabilidade, por uma chance de viver o impensável, de galgar por onde poucos já galgaram? Por que essa idéia abstrata da jornada do herói, que muitas vezes termina com o herói destruído, descobrindo sua fragilidade e impotência perante a imutabilidade da natureza, tem tamanha influência sobre os homens e seus destinos?
Depois da conversa com seu amigo Roberto, pensamentos de riquezas e glória não deixavam a cabeça de Henrique, a qualquer hora do dia. Eu sei, consigo lê-los como se fossem os meus próprios. Ele não conseguia ler um livro, nem ver um filme, sem desvairar e começar simplesmente a sonhar acordado com uma viagem que, vista desde qualquer ângulo, não fazia o menor sentido. Todo seu bom senso havia sido substituído por um otimismo tolo, uma noção de que bastaria ele e seu amigo chegarem aos alpes suíços que, depois de mais de dois séculos, estaria esperando por eles uma bolsa cheia de moedas de ouro. Como se cada centímetro quadrado dessa cadeia montanhosa não tivesse sido explorada inúmeras vezes por montanhistas muito mais experientes e capacitados do que ele e Roberto jamais seriam. Mas isso não interessava, seu otimismo era a força que o guiava para frente e nisso se agarrava com todas suas esperanças.
O entusiasmo foi esfriando quando foram passando semanas e Henrique não recebia notícias de Roberto. Uma depressão foi tomando conta de seu corpo e, aquela chama acesa naquela mesa de padaria parecia prestes a se apagar.
Um dia, enquanto se distraía estudando a geografia da Suíça, seu telefone começou a tocar desesperadamente como se através dele estivesse chegando a ligação mais importante de sua pequena vida eletrônica. Afoito, Henrique atendeu o rapidamente e ouviu aquela voz familiar.
– Grande Henrique, quanto tempo!
– Roberto, você sumiu cara, que história é essa?
– Eu estava trabalhando nos preparativos. Precisamos do equipamento certo!
– Eu preferia que você me mantivesse informado! Já achei que havia acontecido alguma coisa errada.
– Nada de errado, meu caro. Já reservei os voos, providenciei hospedagem e estou providenciando equipamento profissional.
– Ótimo!
– Nosso voo sai daqui a duas semanas, já te passo um e-mail com todos os dados das reservas das passagens. Você já pode ir arrumando suas malas e não esqueça de levar bastante roupa de frio, porque lá nos Alpes é gelado mesmo no verão.
– Sim, claro. Ah, só uma coisa…
– Que foi?
– Será que eu não poderia dar uma olhada nas cartas do seu… ahn… tatarabisavo?
– Claro que você pode, só que infelizmente não pode, entende? Percebe a importância de manter em segredo todo este negócio? Imagina se alguém fica sabendo e tenta chegar antes de nós? Imagina o desperdício de tempo e dinheiro que teríamos tido? As cartas estão trancadas em um baú no sótão da casa de minha avó e só eu tenho a chave.
– Sim claro, entendi.
– Mas não se preocupe, tudo o que é importante saber eu já memorizei ou anotei no meu caderninho e depois posso ir te informando.
– Tá bom Roberto.
– Ah eu eu também queria te pedir um favor… Perdi meu cartão de crédito e não consigo pagar a minha passagem, será que você poderia pagar para mim?
– Bem eu… Suponho que sim…
– Não se preocupe, depois eu te pago… Mas quanto encontrarmos nossas moedinhas de ouro você vai ficar tão surpreso que nem vai pensar no dinheiro da passagem, eu te garanto.
– Claro. Beleza Roberto, nos falamos depois então.
– Falou Henrique!
Leitor, você nota a dúvida no semblante de Henrique enquanto ele desliga o telefone? Claro, isto não é uma novela gráfica ou um filme, a única forma de você notar o semblante de nosso protagonista é em sua imaginação, então eu lhe peço: imagine Henrique com um semblante de dúvida.
“Quem é de verdade esse cara?”, estava pensando Henrique naquele exato momento. Roberto era seu amigo havia pouco tempo, uns dois anos. Conheceram-se em uma viagem pelo Peru e descobriram uma grande afinidade, além da grande coincidência de que viviam na mesma cidade. Henrique nunca conhecera amigos ou parentes do Roberto, e Roberto nunca mostrara interesse em conhecer os amigos de Henrique. Dava para confiar nele? Não estaria Roberto tentando apenas faturar uma viagem em suas costas? Será que ele iria devolver o dinheiro de sua passagem?
Henrique pôs as dúvidas de lado e tentou se reconfortar em seu otimismo habitual. Tudo daria certo. Eles encontrariam o ouro perdido de Napoleão ou, pelo menos, teriam uma história excelente para contar para os amigos.
Passou as duas semanas seguintes se preparando psicologicamente para a viagem. Ocasionalmente Roberto telefonava para acertar um ou outro detalhe, mas o dia do voo chegou sem qualquer imprevisto.
Roberto e Henrique se encontraram no aeroporto algumas horas antes de seu voo. Não conseguiam parar de discutir, muito empolgados, sobre todos seus planos durante as semanas seguintes. Roberto contagiava Henrique com sua empolgação, então naqueles momentos iniciais da jornada era impossível para qualquer um dos dois imaginar que qualquer coisa poderia dar errado. Julgavam-se donos do mundo e com muita confiança estavam indo buscar aquilo que lhes pertencia.
Ah, meu caro leitor, só posso lamentar como é pesado o fardo da onisciência…
…continua em: O Ouro do Imperador - Capítulo 3