O Ouro do Imperador - Capítulo 1
Originalmente publicado em 2015-01-18 02:27 no blog Patinete a vela.
Este é o texto 2 de 10 da Primeira Maratona de Posts do Patinete a Vela. A pressão por escrever é uma excelente motivadora para tirar da cabeça aquelas idéias de conto que nunca vão para o papel, por mais intimidadoras que sejam.
Espero que você goste desta introdução a um grande conto épico que tenho planejado, chamado
O Ouro do Imperador
Capítulo 1
Onde conhecemos nosso protagonista e ele recebe a oportunidade de participar de uma curiosa empreitada.
O leitor que me honra com sua atenção está prestes a ser informado de uma série muito estranha de fatos. Tive a oportunidade de presenciar os acontecimentos que narro a seguir, como é a prerrogativa de todo narrador onisciente, e escolho compartilhar com você na esperança de que o ato de colocar estes acontecimentos em palavras me permita entender melhor o que de fato aconteceu.
Esta narrativa gira em torno de um rapaz chamado Henrique, que neste momento vemos sentado em uma mesa de uma padaria na cidade em que vive. É um homem de vida mansa vivendo em uma cidade de ritmo frenético. Poderia o leitor suspeitar de um homem da idade do Henrique estar simplesmente sentado, lendo um jornal tranquilamente, em um horário que é muito tarde para qualquer trabalhador respeitável estar tomando café da manhã na padaria e muito cedo para estar almoçando. Isso é facilmente explicável pois Henrique está esperando um amigo, que apesar da urgência com a qual lhe falou ao telefone que precisava vê-lo, já levava mais de quarenta minutos de atraso com relação ao horário combinado. Mas termos elucidado a razão pela qual ele calmamente lia o jornal em uma padaria no meio da manhã não ajuda a limpar sua reputação, pois ele de fato não é um trabalhador respeitável. Aproveitemos então o atraso do seu amigo para nos metermos um pouco na vida de Henrique e conhece-lo melhor, afinal é a sua jornada que nos irá transportar no tempo e no espaço e nos tornará testemunhas de fatos que pouquíssimas pessoas já tiveram oportunidade de vivenciar.
Henrique está nos seus trinta e poucos anos e está desempregado. Não foi sempre desempregado, mas um desconforto com sua vida pregressa, uma necessidade de se aventurar e ser responsável por seu próprio destino o fez elaborar um plano de largar seu emprego e trabalhar como autônomo, de forma completamente independente. Até agora a primeira parte do seu plano fora completamente bem sucedida, mas a segunda parte nem tanto. Henrique percebera que é preciso ter muita força de vontade para conseguir estabelecer e atingir suas próprias metas, e quando ele saiu do abraço protetor de uma corporação que o empregava e lhe dizia o que tinha que fazer, ele ficara completamente perdido.
Fez o que todo homem perdido deve fazer: viajou. Conheceu seu país, fez amizades e adquiriu um apreço pela liberdade que hoje tinha, embora agora o tempo de viajar já havia passado e era hora dele se preocupar com coisas mais concretas para sua vida. Morava sozinho, não tinha namorada e mantinha um contato pouco frequente com seus pais, que moravam muito longe. Trabalhava agora em alguns projetos pessoais com os quais tinha dificuldade de se animar, e se encontrava na verdade dentro de um poço do qual não enxergava forma de sair.
Mas agora vemos seu amigo entrando na padaria, esbaforido, transpirado, carregando uma valise de couro embaixo do braço. Henrique conhecera esse rapaz afoito durante sua viagem e rapidamente os dois “conectaram”, em um sentido completamente desprovido de conotações homossexuais. Nada contra, mas Henrique e seu amigo descobriram afinidades mais abstratas, uma mesma vontade de fazer coisas grandiosas e um apreço pelo desconhecido.
– Oi Henrique! Desculpa pelo atraso, mas prometo que vai valer a pena.
O amigo de Henrique sentou-se à mesa e acenou para o garçom, enquanto abria sua valise e espalhava algumas pastas sobre a mesa.
– Amigo, me vê um pingado e um pão na chapa – disse o rapaz ao garçom que acabara de se aproximar.
– E aí Roberto, o que era tão importante que você precisava me ver tão rápido?
– São planos grandiosos, cara. Você e eu vamos embarcar em uma jornada extraordinária!
Henrique virou os olhos. Roberto era de uma volatilidade extrema e ele sempre ficava empolgadíssima com todas suas idéias de projeto.
– O que é desta vez?
– Olha Henrique, isto que eu vou te mostrar é um segredo de família que eu tenho guardado e estudado há muitos anos. Escolhi compartilhar com você porque preciso da ajuda de alguém em quem eu possa confiar. E há oportunidade de riqueza para nós dois!
A atenção de Henrique fora capturada pela menção de riqueza.
– Não é de novo aquela idéia idiota de construir um submarino para transportar drogas na Amazônia, né? Já te falei que não quero saber de nenhuma empreitada criminosa!
– Não não, nada disso! Eu diria que tem mais a ver com arqueologia do que com tráfico de drogas… Ah, me deixa contar logo a história.
Roberto abriu uma das pastas e mostrou um mapa sobre a mesa.
– Já te contei que meus avós maternos são franceses e chegaram ao Brasil no começo do século vinte. Minha avó sempre contava histórias da família dela, especialmente de um bisavô dela que havia servido no Grande Exército de Napoleão!
Henrique olhou com um pouco mais de atenção ao mapa que Roberto estava segurando.
– Esse meu tatara… tataratata… hm… O bisavô de minha avó esteve com Napoleão quando ele e seu exército atravessaram os Alpes para expulsar os austríacos da Itália, você deve estar familiarizado com essa história.
Evidentementre Henrique não estava. Roberto adorava qualquer chance de dar uma de sabichão para cima dos outros.
– Ela sempre me mostrava alguns documentos que ainda tinha preservado dele. Alguns mapas, mas principalmente muitas cartas que ele escrevia para sua esposa, que havia ficado com os filhos na França.
– É uma história fascinante, Roberto, mas onde você quer chegar?
– Este mapa foi desenhado por ele por ocasião da travessia dos Alpes. Minha avó nunca entendeu direito o que era este mapa, ela apenas achava que era um registro que ele deveria ter feito em suas atribuições de ajudante de campo.
– E o que seria esse mapa?
– Seria o trajeto que eles fizeram ao atravessar os Alpes, não ficou óbvio?
Henrique já estava começando a ficar mais interessado na história.
– Mas então, por que esse mapa é interessante?
– Minha avó nunca teve paciência de ler as cartas que o bisavô dela mandava para sua bisavó, mas eu tive um período em que fiquei profundamente intrigado com minhas raízes nas Guerras Napoleônica e cheguei a estudar um pouco de francês para conseguir entender as cartas.
– E o que tinha de interessante nas cartas?
– Eu já chego lá! O meu avô era ajudante de campo, o que significava que ele operava sob o comando do comandante da guarnição em atividades de logística, como por exemplo o transporte de munições, transporte de alimentos e, mais importante para o nosso futuro próximo, o transporte do tesouro do exército.
– Tesouro do exército?
– Sempre que os exércitos de Napoleão se deslocavam era necessário transportar grandes reservas de ouro junto. Para pagar os soldados, comprar suprimentos, entre outras coisas. As carroças que transportavam o ouro eram sempre as mais bem guardadas, você pode imaginar.
– Imagino que deveria ser uma tentação para qualquer soldado fugir com todo esse ouro!
– É, mas a guarda do tesouro era selecionada entre os guardas mais leais do exército, que adoravam Napoleão como a um deus. Nunca deixariam qualquer coisa acontecer com o tesouro.
– Mas então, o que isso tudo tem a ver com a gente?
– Calma bicho, a história está chegando ao seu ápice! A travessia dos Alpes foi feita em condições climáticas horrorosas, o próprio Napoleão quase morreu na jornada. Imagina um exército de cinquenta mil homens, milhares de cavalos, carroças, canhões, tendo que atravessar passagens estreitas, penhascos, desfiladeiros… Eu fiz uma pesquisa e descobri que durante essa travessia era muito comum perder carroças cheias de suprimentos, quando escorregavam e caíam em um desfiladeiro. Em geral era tolerável perder uma carroça com comida, mas em um episódio específico uma carroça cheia de ouro caiu de um penhasco e o exército parou a travessia até conseguir recuperar tudo.
– Deve ter sido uma tarefa terrível!
– Com certeza. Agora vem o segredo que você tem que me prometer que não vai contar para ninguém.
– Seu segredo está seguro comigo!
– Nas cartas de meu tatara… er… do bisavô de minha avó para sua esposa ele relatava que foi um dos encarregados de recuperar o ouro dessa carroça. Foi uma tarefa atroz, do jeito que ele a descreve, e moedas e sacos de ouro se espalharam por lugares muito difíceis de acessar, alguns caíram em um rio, outros em buracos fundos… Quando sua equipe havia terminado o serviço, ele ficou para trás fazendo uma última verificação. E ele encontrou um saco cheio de moedas de ouro que ninguém mais havia visto.
– Incrível!
– É mesmo! Na França sua situação financeira não era muito confortável, e todo aquele ouro seria um grande alívio. Então ele enfrentou sua consciência, escondeu o saco de ouro em um lugar que poderia encontrar depois, quando voltasse com mais calma, e retomou seu lugar junto ao Grande Exército.
– E é por isso que ele desenhou o mapa!
– Isso mesmo! Ele deixou algumas pistas em suas cartas e outras no mapa, e eu acho que se você e eu formos até lá somos capazes de conseguir encontrar esse saco de ouro.
– Mas Roberto, o que garante que seu tatara… tataratata… o bisavô de sua avô já não voltou e pegou todo o ouro para si?
– Infelizmente ele morreu em Austerlitz antes de conseguir se livrar de seu serviço no exército, por isso não teve tempo de recuperar o ouro.
– E a bisavó?
– É algo meio constrangedor, mas ela estava tendo um caso com outro homem quando o bisavô saiu da França. Muitas das cartas que ele enviou de volta estavam no baú empoeirado de minha avó com os selos ainda intactos. Por isso eu acho que ninguém mais, além de você e eu, sabe disso.
Henrique ficou boquiaberto.
– Roberto… Isto é incrível… Por que você está contando isso para mim?
– Faz anos que estou pesquisando e estudando como fazer para encontrar esse tesouro, mas eu sei que não consigo fazer isso sozinho. Eu preciso da ajuda de alguém em quem eu possa confiar, e você é esse alguém. Sem você eu não consigo esse ouro, Henrique!
– E você sabe quanto de ouro o bisavô de sua avó escondeu?
– Pelas cartas era um saco de dez quilos, repleto de francos de ouro. Cada moeda pode valer até cinco mil dólares para colecionadores, e em dez quilos deve haver umas duas mil moedas. Henrique, são dez milhões de dólares perdidos nos Alpes esperando alguém buscar!
– E você quer que eu vá com você?
– Claro que quero!
Henrique parou para pensar. A história parecia absurda. Não existem tesouros escondidos, isso é coisas de histórias de ficção, pensou. Mas mesmo que não exista, o que ele teria a perder? Seria uma viagem de aventura, junto com seu amigo, e no pior dos casos eles pelo menos conheceriam gente e atravessariam os Alpes. Então, por que não?
– Roberto, seu danado, você já sabia desde o começo o que eu ia responder, não é mesmo?
– É mesmo, mas eu tenho que ouvir de sua boca!
– É claro que sim! Vamos logo comprar essas passagens!
…continua em: O Ouro do Imperador - Capítulo 2