Como me safei (inadvertidamente) do golpe do dinheiro achado na rua
Originalmente publicado em 2015-01-26 00:47 no blog Patinete a vela.
Este é o texto 10 de 10 da Primeira Maratona de Posts do Patinete a Vela.
Se você acompanhou a maratona, percebeu que a maior parte dela foi dedicada a O Ouro do Imperador, um conto épico em 8 capítulos.
Este é o último texto da maratona e, para variar um pouco, decidi contar uma experiência que vivi durante minha viagem pelo leste europeu em 2013, mais especificamente em Kiev, Ucrânia. Eu não sabia no momento, mas estava sendo alvo de um golpe que felizmente (para mim) acabou não dando certo.
Sem mais delongas, apresento a vocês
Como me safei (inadvertidamente) do golpe do dinheiro achado na rua
Em outubro de 2013 a Ucrânia ainda não estava passando por toda essa comoção das manifestações de impeachment do presidente Yanukovich e passear pelas ruas de Kiev não era algo tão emocionante quanto ficaria poucos meses depois, quando manifestantes se envolveram em confrontos violentos com a polícia.
Como em qualquer grande capital, não faltam os espertos que querem se aproveitar de turistas desavisados para fazer com que estes se desprendam de seus pobres dinheirinhos.
Eu quase fui vítima de uma dupla destes espertos um dia, quando estava caminhando tranquilamente pelas ruas de Kiev. Eu estava consultando um mapa da região, procurando a próxima atração turística que eu iria visitar, quando de repente aparece ao meu lado um homem de seus quarenta anos com um simpático bigodinho, fazendo um movimento como se tivesse acabado de levantar algo que estava no chão. Falando em russo, ele mostrou para mim um maço de dinheiro dentro de um envelope plástico e disse algo do gênero: “Olha só que sorte, olha o que eu achei”.
Eu nem pensei que havia qualquer coisa de errado. Falei para ele que sim, que era muita sorte mesmo, parabéns para ele, bla bla. Consegui entender que ele queria dividir o dinheiro comigo, alegando que era uma “tradição ucraniana” o ato de dividir dinheiro encontrado no chão com a pessoa que estivesse junto. Veja que o maço era grande, devia ter pelo menos um centímetro de espessura de notas novinhas, e ele me mostrou que em um dos lados do maço havia notas de dólares e no outro lado havia notas de euros.
Eu recusei, agradecendo. Não por desconfiança, mas porque no momento pensei que a pessoa que tivesse perdido o dinheiro estaria realmente em apuros e eu não queria ser o responsável por me aproveitar da desgraça da pessoa alheia. Pensei e compartilhei com esse homem a minha opinião de que infelizmente nem adiantaria anunciar à polícia que o dinheiro havia se perdido, que provavelmente o dinheiro nem sequer passaria além do policial que nos atendesse.
O homem continuou andando ao meu lado, insistindo algumas vezes que eu aceitasse que pelo menos ele me pagasse uma cerveja, mas eu recusei, sempre sendo simpático. Conversamos um pouco e ele me informou que era bielorusso, mas como meu russo é apenas de sobrevivência não conseguimos conversar por muito tempo.
Não precisaríamos conversar muito, porque pouco tempo depois apareceu um outro homem correndo e nos chamando. Este sim era intimidador: bem cara de mafioso russo, alto, encorpado, mais gordo do que musculoso, usando uma jaqueta de couro. Ele começou a perguntar se nós tinhamos encontrado um pacote de dinheiro no chão e eu já estava esperando que o bielorusso mostrasse o maço que ele havia encontrado quando de repente fico chocado quando o cara faz cara de bobo e diz que não encontrou nada.
O russo alto insistiu, dizendo que nos viu pegando algo do chão, e ficou insistindo para o bielorusso falar alguma coisa.
Eu não sei o que aconteceu comigo. Eu não estava ciente de que estava sendo vítima de um golpe, por isso eu estava tentando dar a chance para que o bielorusso confessasse que ele estava de fato com o dinheiro antes de eu interceder denunciando sua atitude desonesta. O bielorusso não fazia nada, só ficava olhando com cara de bobo. O russo insistiu e pediu para o bielorusso mostrar seus bolsos e então o conteúdo de sua carteira. O bielorusso mostrou o conteúdo de um de seus bolsos e de sua carteira e o dinheiro não apareceu (porque estava no outro bolso que o espertalhão não mostrou). O russo então se virou para mim e pediu que eu mostrasse o conteúdo de meus bolsos e de minha carteira.
Minha carteira estava vazia, ou melhor com apenas umas poucas notas de Hryvnas (a moeda ucraniana), por isso o russo constatou que eu tampouco estava com o dinheiro.
Durante todo este desenrolar eu estava muito puto com o bielorusso. Eu ainda queria que ele tivesse a chance de se “redimir”, por isso fiquei esperando até o último momento para denuncia-lo ao russo. Especialmente porque eu achava que o russo poderia moer o bielorusso de porrada se descobrisse que o cara o estava enganando. Eu mesmo não estava com medo, porque estava com a consciência tranquila por não ter pego dinheiro. Minha idéia era esperar que o russo desistisse e fosse procurar o dinheiro em outro lugar, então eu imediatamente o chamaria e denunciaria o bielorusso malandro. Mas não houve oportunidade de chegar a este ponto porque o russo insistiu para que o bielorusso mostrasse o conteúdo do outro bolso, e quando o bielorusso tentou mover seu bolso de forma a não revelar nada foi possível ver o cantinho do maço de dinheiro aparecendo.
O russo apontou, falando “Taí meu dinheiro”, ao que o bielorusso rapidamente tirou o dinheiro do bolso, colocou na mão do russo e saiu andando. O russo falou algumas coisas para ele. Eu nesse momento fiquei extremamente envergonhado com a atitude que eu tive durante toda a situação e simplesmente saí andando, também receando que poderia sobrar algum problema para mim.
Passei as próximas horas me sentindo um pouco mal, decepcionado com a forma como agi. Eu devia ter falado logo de cara para o russo que o dinheiro estava com o bielorusso. Este último estava agindo como um bandido, e por alguma razão eu estava praticamente “acobertando” o desgraçado. Deve haver alguma explicação psicológica pelo modo como agi com ele. Talvez por causa da interação que tivemos antes eu tivesse criado uma simpatia por ele, o que fez com que eu agisse praticamente como um cúmplice. Fiquei com muita raiva dele.
Mais tarde, ao contar esta história para meu amigo ucraniano que estava me hospedando, ele declaro que provavelmente o que eu tinha vivenciado fora um golpe, um “scam”, uma trapaça. Eu não consegui entender a moral do golpe: alguém me oferece dinheiro? Normalmente golpes envolvem tirar dinheiro da vítima, e não oferecer.
Eu acabei pesquisando na internet e descobri que a idéia do golpe é algo assim: o malandro 1, vamos chamá-lo de o sortudo, finge que encontra o dinheiro e oferece dividi-lo com a vítima. É possível que outras pessoas, que não sejam eu, aceitem a divisão, então o sortudo divide o dinheiro e desaparece. A vítima continua andando feliz, por ter simplesmente ganho dinheiro assim, do nada, até que aparece o malandro 2. Chamemos este de o gorila, porque é um cara enorme e intimidador. O gorila começa a pressionar a vítima dizendo que sabe que ela aceitou o dinheiro, e quando finalmente a vítima devolve o dinheiro ele reclama que está faltando a metade. Usando suas técnicas de intimidação, o gorila força a vítima a ressarci-lo com seu próprio dinheiro, e o que inicialmente parecia sorte dos céus acabaria se tornando um evento de grande prejuízo para a vítima.
Quando li sobre esse golpe pensei em como era arriscado para os trambiqueiros. Imagina se a vítima, ciente do golpe, assim que o sortudo lhe oferece dinheiro, saísse correndo e sumisse? Ela sumiria com uma boa grana dos bandidos, pelo menos uns mil dólares.
A não ser que, o mais lógico, fosse dinheiro falso. Neste caso, se a vítima percebesse isso talvez pudesse se livrar da intimidação do gorila.
Uma coisa interessante deste golpe é que para funcionar a vítima em si já tem que agir um pouco de má fé, aceitando dinheiro que pertence a outra pessoa. Então o próprio golpe é como se fosse uma punição por sua ganância. Será que os golpistas se consolam pensando deste jeito?
No final das contas, achei que este golpe é muito idiota e me surpreenderia descobrir que funciona.