Quem tá na m... - Uma fábula de Starcraft
Originalmente publicado em 2013-12-22 22:42 no blog Patinete a vela.
O soldado caminhava aos tropeços na planície arenosa iluminada pelas duas luas. Sua munição já havia terminado, por isso ele já havia se livrado de seu rifle de assalto havia muito tempo. Sua armadura de combate estava muito danificada. Os atuadores hidráulicos rangiam a cada passo que dava e os displays internos piscavam e iam se apagando um por um. Ele havia desligado os comunicadores porque não aguentava mais ouvir seus companheiros de patrulha gritando desesperados enquanto lutavam para sobreviver ao ataque de uma matilha de zergnídeos que os havia encurralado. Durante o ataque ele tivera sorte para conseguir escapar com vida. Enquanto recuava e esgotava os últimos tiros de seu rifle contra um zergnídeo enraivecido que corria em sua direção, ele tropeçou e caiu em uma vala. Não foi visto por nenhum dos zergnídeos, que passaram a atacar seus colegas de patrulha. Na queda, o soldado pousou sobre o reator que energizava o sistema eletro-hidráulico que permitia os movimentos de sua armadura de combate. Agora ele tinha disponível menos que a metade da potência nominal para o controle da armadura e esta fazia um barulho infernal a cada movimento que fazia.
Enquanto o soldado rastejava para fora da vala e se afastando do local da emboscada, ele ficava se repetindo: “Não há nada que eu possa fazer… Não há nada que eu possa fazer… Eles estão condenados de qualquer jeito… Não há nada que eu possa fazer”.
Neste momento, após correr por quase vinte minutos, ele conseguiu ouvir quando os últimos disparos de seus colegas silenciaram. Ele estava sozinho agora. Ligou os comunicadores, e nada podia ser ouvido. Ele se virou e olhou para a direção de onde havia vindo, continuando a caminhar lentamente de costas. Até que, quando deu um passo, seu pé perdeu aderência e seu corpo veio abaixo violentamente sobre uma enorme poça de lama.
“Merda!” gritou o soldado. Ele não soube de imediato o quão certo seu palpite estava, porque demorou um pouco até o mau cheiro sobrepujar os filtros do sistema de ar-condicionado de sua armadura e atingir seu nariz. O que aparentemente era um lamaçal era, na verdade, a maior poça de bosta que ele jamais havia visto. E a criatura responsável por tamanha diarréia não poderia estar longe, pois o soldado sentiu um pequeno aumento na temperatura interna da armadura enquanto os sistemas de refrigeração lutavam para manter a temperatura estável. Era uma enorme poça de diarréia quente e fedida.
Enquanto lamentava por seu tremendo azar, o soldado pensava em qual criatura zerg poderia ter defecado com tamanha abundância. “Só pode ser um mammuthus”, pensou. “Espero que o desgraçado não volte.”
Cansado e nervoso, o soldado não tinha ânimo para se levantar. Virou-se sobre o barro e sentou-se, olhando na direção de onde viera. Ficou assim por alguns minutos quando percebeu um movimento no horizonte. Demorou até conseguir perceber o que era. A matilha de zergnídeos por alguma razão estava seguindo exatamente o mesmo caminho que ele fizera. Ou eles sentiram o cheiro do fluído hidráulico que vazara de sua armadura, ou ele tivera o azar de fugir exatamente na direção da colmeia onde os zergnídeos residiam.
Tentou se levantar, mas não conseguia. Ele não conseguia firmar apoio sobre aquela poça escorregadia de dejetos fétidos. Sentado, olhou para os zergnídeos que se aproximavam lentamente e começavam a rodeá-lo. Coberto de merda e repleto de pânico pelo perigo iminente, o soldado ficou olhando para o zergnídeo que parecia ser o chefe da matilha e que se aproximava lentamente. O zergnídeo chegou mais perto e começou a cheirá-lo. Ficou assim por alguns instantes, até que começou a se afastar, rosnou alto para os outros zergnídeos da matilha e, tão rápido quanto chegaram, eles foram embora.
O soldado estava atônito. Ele fora poupado! O pânico se transformou em uma alegria extraordinária. Ele ficou tão alegre que abriu sua viseira e começou a gritar: “Seus zergnídeos putos, canalhas, vão se ferrar! Acharam que iam me pegar né?”. Sua alegria era tanta que começou a cantar, enquanto ainda lutava para conseguir se levantar. Percebeu que a única forma de conseguir firmar os pés seria escavando a bosta até conseguir chegar ao solo firme embaixo. Ficou assim por alguns minutos até que finalmente teve aderência para apoiar seu peso e ficar em pé.
Quando se levantou, o soldado sentiu um som atrás dele. Parecia o ruído de um peido, mas não era um simples peido. Era o peido mais intenso que ele havia ouvido, como se um milhão de soldados tivessem comido um milhão de feijoadas e tivessem se unido para demonstrar em uníssono por que não se deve servir um milhão de feijoadas a um milhão de soldados no mesmo lugar, especialmente se for um lugar fechado. O soldado se virou e viu, à sua frente, o enorme mammuthus com problemas estomacais que era o pai daquele monte de merda onde ele estivera se banhando pela última meia hora. O soldado mal teve tempo de exclamar “Cara…”.
A gravação terminou bruscamente neste instante. O técnico que ouviu tudo estava analisando o áudio do gravador de dados de campo que havia sido resgatado do estômago de um grande mammuthus que havia sido morto pela patrulha Charlie. Esta patrulha havia sido enviada para averiguar por que a patrulha Bravo nunca tinha voltado de sua missão de reconhecimento. O gravador estava parcialmente digerido e nada havia restado do corpo do soldado cuja armadura estava partida em pedaços no interior daquela enorme fera zerg. O técnico havia escrito em uma pequena agenda: “Por que os zergnídeos foram embora? As fezes do mammuthus terão algo a ver? Investigar…”. O técnico desligou o equipamento de reprodução do gravador de dados de campo e começou a arrumar seu escritório para finalmente encerrar o expediente. Mas não conseguiu parar de pensar nas outras lições aprendidas com a experiência do soldado.
“Nem sempre quem te põe na merda é seu inimigo”, pensou. “Nem sempre quem te tira da merda é seu amigo”, complementou. “E quem está na merda não canta”.
Se você gostou desta fábula, dê uma olhada em outro conto que escrevi, também ambientado no universo de Starcraft 2: Um VCE e um soldado entram em um bar .
Ah, e obrigado Marcus por publicar este conto no Starcraft 2 Brasil de novo! [Nota do autor: O site Starcraft 2 Brasil infelizmente não se encontra mais no ar]