Originalmente publicado em 2013-07-18 15:53 no blog Patinete a vela.

Para estrear o meu blog, segue abaixo um conto que escrevi baseado no excelente jogo Starcraft 2. Espero que você goste!

Um VCE e um soldado entram em um bar

Como tantos outros relatos lúdicos, este começa com Phil, um jovem operador de VCE, entrando em um bar. Este bar, igual a qualquer outro bar de quartel de campanha, é o lugar onde soldados, técnicos e pilotos afogam as saudades de casa e tentam esquecer os horrores do dia a dia.

O bar está quase vazio. Em uma mesa em um canto escuro, um tipo com o porte físico de soldado, com o corpo cheio de marcas e cicatrizes, caiu adormecido debruçado sobre a mesa. Atrás do balcão, o barman limpa desajeitadamente um copo. Phil observa que o bartender tem dois braços robóticos, barulhentos e desengonçados, e em seguida se senta ao lado do único cliente sentado em frente ao balcão, um soldado que está olhando para o vazio enquanto esvazia seu copo.

Phil solicita em voz alta para o barman para que todos ouçam:

– Barman, repita a dose para meu amigo aqui no bar e o colega lá no fundo. Esta rodada é por minha conta!

O barman sorri, enquanto posiciona dois copos sobre o balcão, um em frente ao jovem operador de VCE e outro em frente ao soldado, e começa a servir para o soldado o conteúdo de uma garrafa. O líquido é viscoso, de uma cor verde fosforescente. Quando está prestes a servir no copo de Phil, este sorri, pondo sua mão sobre o copo, e pede:

– Eu vou beber apenas uma drop-cola, obrigado. Não quero chegar embriagado ao primeiro dia de serviço.

Enquanto o barman caminha para o fundo do bar para levar mais uma dose para o soldado adormecido, o soldado ao lado de Phil levanta seu copo e inclina sua cabeça levemente, em um discreto reconhecimento à generosidade do recém chegado. Com um ingênuo entusiasmo juvenil, Phil começa a puxar conversa com o soldado.

– Meu nome é Phil! Acabei de concluir meu curso na Academia Técnica de Augustogrado e hoje é meu primeiro dia de trabalho em campo como operador de VCE.

O soldado traga em um gole a substância verde de seu copo e sorri um sorriso cheio de dentes amarelados e apodrecidos enquanto responde:

– Meu nome de campo é Wright, embora dificilmente você vá me encontrar no campo de batalha.

– Estou muito empolgado com tudo. Descobri que a minha vocação é ser operador de VCE e estou louco para auxiliar no esforço de guerra.

O soldado Wright sinaliza para que o barman encha seu copo novamente, enquanto continua sorrindo para Phil.

– Tem certeza de que não quer um trago? É o que me ajuda a sobreviver mais um dia lá fora.

– Não, obrigado. Um VCE é uma máquina cara e exige grande responsabilidade do operador. Não posso operar um sob a influência de álcool.

– Você é quem sabe - responde o soldado Wright enquanto levanta um pequeno biscoito de um pote de petiscos. - Barman, quero manteiga no biscoito!

Enquanto o barman unta o biscoito com uma pasta azul de manteiga sintética, Phil volta a falar.

– O que é isso que você está bebendo? É algum licor de limão, ou de menta?

– Rá, há meses que não chega um limão a Char. A viagem é muito longa e custosa para desperdiçar com o transporte de qualquer coisa que possa tornar a vida do soldado mais tolerável. Você vai aprender que, em campanhas como esta, somos “incentivados” a usar de forma criativa qualquer recurso disponível no local. Por exemplo, esta bebida é um destilado feito a partir do veneno de tatu-bomba. Bem melhor do que o aguardente de gás vespeno, se você quiser minha opinião.

Phil toma um gole de sua drop-cola e continua seu matraquear incessante.

– No briefing me falaram que nossa missão é acabar com a infestação zerg em Char. Admiro a coragem e vocês soldados para enfrentar essas criaturas abomináveis.

– Não é coragem, é burrice. O único consolo que eu tenho é que, embora a expectativa de vida de um soldado aqui seja baixa, a de um VCE é menor ainda.

O sorriso de Phil por um instante se desfaz.

– Como assim?

– Estas guerras são todas sujas. Sim, é o soldado que dispara o gatilho, mas são os VCEs que mantém a máquina de guerra funcionando. Os zergs e protoss aprenderam há tempo isto, por isso sempre atacam primeiro os VCEs.

Phil aparenta estar horrorizado. O soldado Wright continua:

– O barman era operador de VCE antes de vir operar o bar. Seus braços foram arrancados durante um ataque furtivo de templários das trevas. Já ouviu falar deles?

Phil gira a cabeça para os lados.

– São malditos fanáticos religiosos daqueles protoss. Os desgraçados são invisíveis a olho nu e trucidaram a equipe do barman enquanto coletavam minérios.

Phil olha para as horríveis próteses mecânicas do barman.

– Tem mais. As pernas do barman foram arrancadas em um ataque de baratas. Não sei se te explicaram na academia, mas as baratas conseguem se mover por baixo da terra como se nadassem em água. O barman conseguiu se esconder enquanto as baratas terminavam de devorar suas pernas e trucidar o resto de sua equipe.

Phil olha para baixo como se uma barata estivesse prestes a surgir do chão.

– Para finalizar, suas cordas vocais foram queimadas quando a base dele sofreu um ataque dos rebeldes daquele escroto do Raynor. Eles vivem fazendo esses ataques para atrasar as operações militares do Imperador Mengsk. Você já ouviu falar de “Hell Drop”?

– Ahm não.

– Não se preocupe, você vai conhece-los muito em breve. Assim como vai descobrir que as minas viúvas criam viúvas dos dois lados da batalha.

Phil começa a sentir uma tremedeira no corpo.

– Mas e você, como consegue sobreviver com tantos perigos? - pergunta Phil.

– Você tem que ser realista e reconhecer que, em uma guerra como esta, ou você vira herói ou você sobrevive. Aqui no mundo real a expectativa de vida de um soldado é de cinco dias. Estou vivo este tempo todo porque, como posso dizer, tenho uma constituição meio frágil e sempre acabo ficando internado em uma ambunave - Ao dizer isto, o soldado Wright vira seu copo mais uma vez e dá uma piscada discreta. - Tenho um amigo piloto que sempre consegue evitar as missões ofensivas. Nós dois conseguimos ter uma parceria muito duradoura.

Enquanto Phil reflete sobre o que acabou de ouvir e sente suas expectativas se despedaçando, um soldado em armadura de combate entra no bar. O soldado Wright acena para ele e exclama:

– Salve Hank! Esta rodada por conta de meu novo amigo Phil!

A viseira de Hank se levanta, e com isso é possível observar que ele está irado. O barman começa a servir o destilado de tatu-bomba quando Hank puxa o copo.

– Não quero essa droga de bebida do Wright. Quando bebo esse troço sinto como se meu estômago tivesse sido arrancado por uma hidralisca.

– Exatamente! - constata Wright.

– Quero um chope de Vespeno, e rápido, porque tenho que contar umas verdades para o sargento Crooks.

Hank levanta sua caneca, apontando-a para Phil, e bebe a tragos largos.

– Hank, eu já te disse, se você quer viver bastante precisa aprender a ficar fora do radar dos superiores, especialmente de babacas como o Crooks.

– Deixa te contar o que ele me aprontou. O capitão está planejando um ataque massivo à incubadora zerg mas queria fazer uma missão de reconhecimento antes. Então ele ordenou ao sargento Crooks que mandasse uma patrulha capturar a torre Xel’Naga próxima ao local do ataque. O sargento já não gosta de mim, então ordenou que eu fosse sozinho.

– Sucídio - comenta Wright.

– Pois é! Eu falei para ele mandar mais soldados comigo. Sabe o que o desgraçado me disse?

– O quê?

– Ele me perguntou se eu sabia do altíssimo risco de tomar a torre e como eu podia ser egoísta a ponto de querer botar em risco a vida de dez outros colegas quando poderia arriscar apenas a minha vida.

– Injusto.

– É sim. Vim tomar um trago e saio agora mesmo para trocar umas palavras com esse fanfarrão. Não vou permitir que ele me force a cometer suicídio.

– Larga essa bebida de mocinha e toma uma dose de destilado de tatu-bomba.

Hank ignora a oferta do soldado Wright e sai do bar furioso.

Phil não consegue controlar sua tremedeira. O valor de uma vida humana parece ser muito baixo em Char. Em uma tentativa de se tranquilizar, ele tenta mudar de assunto.

– E a Kerrigan, hein? Nunca entendi por que chamam ela de Rainha das Lâminas. Nunca vi ela usando lâminas de qualquer tipo.

– Kerrigan, essa biscate. Faz parte de minha estratégia manter distância dela. Dizem que ela é muito peluda e usa muitas lâminas para se manter aparada e poder se proteger dos piolhos.

Wright solta uma risada alta e Phil está prestes a retrucar quando escuta um ruído forte de vidro blindado se quebrando e observa horrorizado um zergnídeo entrar correndo no bar. O zergnídeo pula sobre o soldado desacordado nos fundos, que solta um urro violento quando a criatura arranca um pedaço de sua cabeça com uma mordida. Um estalo é ouvido, proveniente do balcão, o zergnídeo explode em uma massa de sangue e entranhas e o barman recarrega sua escopeta, que solta uma leve fumaça do cano.

Phil nunca havia visto um zerg de perto. O barman, com empatia, sorri para ele. O sangue, os miolos na parede, a carcaça destruída daquela criatura hedionda afetam demais o Phil. O soldado Wright observa a cena rindo enquanto esvazia mais um copo.

Phil mal se recupera do choque quando o intercomunicador ecoa no bar. É a voz sintetizada do adjutor, prestes a fazer um anúncio importante.

– Aviso a todos os soldados e operários. Foi descoberto um mutano zerg infiltrado no quartel, fazendo-se passar pelo soldado Hank. Este foi executado sumariamente pelo sargento Crooks assim que foi descoberto. Fiquem atentos a comportamentos suspeitos de seus colegas.

– Esse pobre coitado do Hank, eu disse para não se meter com seus superiores. Bem, tenho uma ambunave para pegar. Phil, nos vemos por aí.

Ao dizer isto, o soldado Wright esvazia sua última dose. Phil nem conseguiu manter a conta de quantas foram. Frustrado e arrependido de ter se alistado para trabalhar naquele inferno, Phil fita desconsolado o balcão. Um copo com uma substância verde fosforescente desliza para a frente de sua vista. Olhando para frente, Phil vê o barman apontar para o copo com um sorriso.

Phil pensa “Ah que se dane” e bebe o conteúdo com um gole. Paga o barman e se levanta para ir embora quando, de repente, sente uma dor horrível em seu estômago, como se tivesse acabado de engolir uma granada. A dor é tão horrível que ele mal consegue andar. Em um súbito momento de lucidez, com o que sobrou de suas forças, pergunta para o barman:

– Onde encontro uma ambunave?

Fim

Este conto também foi publicado no site Starcraft 2 Brasil. Valeu Marcus! Nota do autor: O site Starcraft 2 Brasil infelizmente não se encontra mais no ar