Celebre seu aniversário com um pouco de torta mineira
Originalmente publicado em 2014-11-18 14:39 no blog Patinete a vela.
No último sábado, 15 de novembro (falso feriado), a banda The Mining Pie tocou no aniversário da Poliana, namorada do guitarrista Felipe Mappa.
O que terá isto a ver com o internacionalmente famoso blog Patinete a Vela, ouço você perguntar. Bem, já faz alguns meses que esta excelente banda conta com a minha humilde participação e, como era de se esperar, no dia da festa estava eu lá no palco apertando as teclas de meu teclado em uma sequência que mais ou menos seguisse o ritmo e a tonalidade das músicas que o resto da banda tocava.
Participar de uma banda era um sonho que eu tinha desde que era adolescente e que só agora que virei tiozão consegui realizar. Naquela época ainda me faltavam prática e conhecer outros jovens que também tocassem. Muitos anos depois o Raphael, o outro guitarrista da banda, me apresentou ao grupo e eles aceitaram como tecladista. Hoje, o guitarrista Felipe Mappa (vulgo Pink Panther), o guitarrista Raphael (vulgo Rappa), o baterista Thiago (vulgo Primo vulgo Woody), o baixista Cauê (vulgo David Luiz), o vocalista Wellington (vulgo Ton-Ton) e eu, o tecladista (vulgo Lannister vulgo Tiozão de Patinete) fazemos barulho juntos tocando grandes clássicos do rock de bandas como The Doors, Rolling Stones, Creedence, Queen, etc etc.
Todo este processo é um enorme desafio para mim. Desde que comecei a tocar piano sempre fiz meus estudos na linha do “piano clássico”. Por piano clássico entenda-se exclusivamente ler partituras e treinar até chegar à execução mais fiel possível à música original. Este tipo de estudo é muito bom para adquirir técnica e agilidade nos dedos, no entanto é muito ruim para desenvolver a criatividade como músico. Então, o estudo de piano clássico é basicamente um processo mecânico, de ficar lendo a partitura continuamente e exercitando os dedos até ter assimilado a música na memória muscular.
Quando você toca em uma banda, no entanto, naturalmente surge uma necessidade de criar música, em vez de apenas reproduzir a música original. Isto ocorre por várias razões.
Uma delas é que músicas de banda raramente possuem partituras, e as cifras que estão disponíveis simplificam muito a representação da música. Perde-se a informação da melodia e do ritmo, mantendo-se apenas a informação do acorde que se encaixa mais ou menos em cada pedaço da música. Isto força ao músico a ficar escutando a música original e a tentar reproduzir a melodia em seu instrumento, tendo como base apenas o conhecimento de qual é o acorde que encaixa em cada momento (o que já é uma grande ajuda). Isto por si só já ajuda a desenvolver um “ouvido analítico”, se podemos chamar assim.
Mas, dada a escolha de repertório da The Mining Pie, surge uma dificuldade grande para mim como tecladista. Eu diria que cerca de 20% das músicas que tocamos são de bandas que possuem tecladista ou pianista e estas músicas são relativamente fáceis de aprender a tocar ouvindo a música original. Em particular, as músicas do The Doors possuem um teclado bem marcado, o que facilita seu estudo. Mas os outros 80% são de bandas que não têm teclado, reflexo do fato de que até pouco tempo atrás a banda não tinha tecladista. Isto me obriga a inventar arranjos que não estraguem o som dos outros instrumentos. É uma grande pressão para aprender a criar música.
Nessas situações em que a música original não possui teclado, é possível fazer um arranjo simples sem se preocupar muito com a música original e apenas tocar o acorde no momento certo, sem qualquer firula adicional. Isto é muito fácil, bem mais fácil do que aprender a tocar uma partitura, no entanto torna-se tedioso para o músico no momento de tocar a música com o resto da banda. Isto estimula o músico a querer variar a execução. É possível fazer isto do jeito trivial, apenas mudando o ritmo com o qual o acorde é tocado, e é possível fazer do jeito awesome-incrível-legal-pra-carai que é emendando escalas de improvisação durante a execução do acorde.
Improvisação musical é uma técnica criativa de execução musical que falta na formação do músico clássico. Eu mesmo só comecei a estudar um pouco esta técnica no ano passado, mas foi ao entrar na banda que recebi o estímulo para treinar mais e mais. Isso porque, de fato, é muito chato ficar tocando apenas o acorde certo durante a execução da música. E, além disso, a sensação de conseguir tocar uma melodia improvisada na hora é absurdamente legal.
Só que o termo “improvisação” pode parecer um pouco intimidador, pois criação é sempre mais difícil do que simplesmente reprodução, certo? Pois bem, tocar com a The Mining Pie me mostrou que isto não é verdade! O grande lance da improvisação é, durante a execução, tocar sequências de notas que sejam harmônicas com a melodia, e pode parecer difícil saber imediatamente antes de tocar a nota se ela servirá ou se estragará a música. É aí que entram as escalas! As escalas de blues são conjuntos de notas que, se tocadas com o acorde apropriado, soarão bem. E pronto! Então, basta ficar treinando as escalas de blues para os acordes mais usados até que elas estejam no sangue e, durante a execução da música, você pode tocar qualquer nota da escala com segurança porque vai soar bem.
Com o tempo, na medida em que você vai acostumando com a escala, algumas coisas interessantes acontecem. A primeira delas é que você adquire a capacidade de pensar em uma melodia nova e executar essa melodia logo em seguida, praticamente sem errar. Isto permite transportar para o instrumento uma habilidade inata que já desenvolvemos durante toda a nossa vida, pois o próprio ato de falar e dar entonação à voz é uma ação de improvisação musical (pense nisso!). Além disso, você começa a perceber que os solos e arranjos das músicas das bandas que você toca são montados em cima das escalas de blues (pelo menos para o rock clássico, é claro que no sambanejo e no funk carioca são usadas outras escalas com muito menos notas e qualidade musical), o que torna muito mais fácil aprender a música e inclusive improvisar em cima.
Além do estímulo à criatividade, tocar numa banda traz outros tipos de estímulo que são muito bem vindos. A banda é um grupo de amigos com um interesse comum que ficam estimulando e provocando uns aos outros para aprender e melhorar as músicas, e rápido! Quando você estuda sozinho, é muito comum ficar muito tempo na mesma música, ou ficar com preguiça de aprender outras músicas, então o repertório fica muito restrito. Mas nos quatro meses que estive na banda tive que aprender mais do que vinte músicas, muitas delas exigindo que eu mesmo inventasse um arranjo, o que é um excelente estímulo à criatividade. Sem contar as broncas que levei do Mappa, que também me ajudaram a ser mais disciplinado… :-)
Mas eu tive sorte. Entrei em uma banda em que já há músicos mais maduros, então é muito mais fácil aprender com eles. Enquanto eu estou lá, sofrendo para tentar aprender pequenos trechos das músicas, vejo como o Mappa e o Woody, por exemplo, estão pensando no “alto nível”, já na estrutura das músicas, como uma encaixa com a outra, quantas vezes se toca o verso antes e depois do solo de cada instrumento, ou como o Cauê ou o Rappa conseguem tirar músicas “on the fly”, apenas sabendo os acordes, ou o Ton-Ton aprendendo a cantar músicas que ele nunca tinha ouvido antes em poucos dias, enfim.
Voltando ao começo deste post, nada no final das contas se compara com a satisfação de tocar em público. É naquele momento que você percebe se o que você está fazendo deixa de ser um ritual de satisfação pessoal para ser algo que move e estimula as pessoas. Fomos muito bem recebidos, embora o fato de que toda nossa audiência fosse de amigos da aniversariante e dos membros da banda talvez tivesse algo a ver :-). Fiquei durante o show inteiro focado, olhando apenas para meu teclado. Foi difícil prestar atenção no mundo exterior durante esse tempo. Acertei em algumas partes, errei em outras, e só espero que os erros não tenham chamado mais a atenção do que os acertos! Mas no final das contas, a sensação de ter encerrado aquele ciclo que começou meses atrás, com a seleção de um repertório desafiador, ensaios e mais ensaios e finalmente com a execução, é muito boa. E agora restou aquela vontade por mais, que vai nos impulsionar a querer conquistar outras audiências.
Aqui vai uma foto do show. Não é muito convincente como evidência de que eu estava lá, mas eu estava sim! Exatamente atrás do vocalista! :-)
Comentário desde o longínquo e pandêmico futuro de janeiro de 2021: Eu não fazia a menor idéia que minha futura esposa, Lídia, que eu só viria a conhecer em outro aniverário da Poli quatro anos depois, estava nos assistindo nesse dia. Mais uma grande felicidade que devo à Mining Pie, e mais especificamente a Poli e Mappa