Originalmente publicado em 2015-01-17 01:41 no blog Patinete a vela.

Eternal life

Este é o texto 1 de 10 da Primeira Maratona de Posts do Patinete a Vela.

Em 2012 tive o grande privilégio de ir à Comic Con em San Diego com dois casais de amigos meus. A Comic Con é a grande Meca internacional para Nerds de Carteirinha como eu e foi uma experiência incrível, mas este post não é para falar sobre a Comic Con e sim sobre uma situação em particular que aconteceu durante este evento.

Bom, você já deve ter ouvido falar da Comic Con (senão, o que está fazendo lendo este blog??? Saia daqui! Você não é o público alvo!!!). Um dos elementos tradicionais deste grandioso evento é o fato de que a comunidade nerd aproveita para se fantasiar de seus personagens favoritos e poder se encontrar e agir de forma irracional ao encontrar com muitos de seus ídolos da cultura pop (americana, diga-se de passagem).

Outra tradição da Comic Con são as manifestações das igrejas evangélicas americanas, que todo ano enviam representantes para segurarem cartazes na tentativa de convencer ao público nerd que ler gibis não é legal mas que ler a bíblia é. Eu não sei ao certo qual é o problema que os cristãos fundamentalistas americanos vêm na Comic Con, mas eu acho que tem a ver com o que eles rotulam como “adoração de falsos ídolos” e o mandamento “não te vestiras com a cueca por cima da calça” como os fãs do Super-Homem fazem.

Então, se você frequentar a Comic Con é muito provável que você veja alguns lunáticos como os da foto abaixo.

Rich in Mercy

São jovens crentes que ficam segurando cartazes alertando aos nerds pecadores que “Jesus concede vida eterna”, ou “Nenhuma pessoa é honrada” ou “Deus é rico em misericórdia”. Tem que ter muita fé para achar que, no meio de uma multidão que pagou caro para estar em um evento onde é bombardeada por todo tipo de mecanismo audiovisual reforçando as séries e videogames que mais gosta, alguém vai olhar para essas letras pretas sobre fundo amarelo e pensar… “O que estou fazendo de minha vida? Este sabre de luz, ou esta caneca do Jurassic Park que eu adoro são falsos ícones de satanás, tenho que entregar a minha vida a Jesus!!!”. Não sei qual é a efetividade dessas estratégias, mas deve ser um “rito de passagem” para o cristão ativista do futuro, por isso eles continuam fazendo.

Infelizmente no momento não pensei em tirar foto, mas um cartaz que me chamou a atenção tinha as seguintes palavras: “The blood of Jesus will rinse all evil” (“O sangue de Jesus irá lavar todo o mal”). Não entendo qual é o contexto original desta frase, mas assim que eu a vi eu não consegui parar de pensar em zumbis. Tem algo errado comigo? Por ter pensado que existe uma analogia óbvia entre o sangue de Jesus e um zumbi sanguinário que contamina seus seguidores com seu sangue, expurgando-os do mal?

Zumbis nunca saíram de moda, mas em 2012 esse novo frenesi de mortos vivos ainda estava meio que voltando. Eu já estava havia alguns anos envolvido em meu projeto acadêmico de apreciação da fina arte da não-morte e já havia acumulado algumas pérolas ao meu repertório cinematográfico sobre o tema (que incluía filmes sobre Zumbis Nazistas, todos os filmes de George Romero desde Night of the Living Dead até Diaries of the Dead, todos os filmes da série Return of the Living Dead, e muitos outros), e a Comic Con estava cheia de revistas em quadrinhos com todas as combinações de zombie + qualquer coisa que você pensar. Zombie bunnies? Tinha lá. Zombie strippers? Tinha! Mas mesmo assim, o status da cultura de zumbis ainda não havia atingido o patamar que atingiria nos anos seguintes em que a série The Walking Dead (que na época estava na terceira temporada eu acho) cresceu tanto em popularidade que de repente filmes de zumbi deixaram de ser entretenimento da elite e passaram a ser entretenimento das massas, gerando aberrações como por exemplo o filme “Meu namorado é um Zumbi” e livros como World War Z, Orgulho e Preconceito e Zumbis, etc etc.

Ah, não me deixe continuar falando de zumbis porque desse jeito nunca vou terminar a história original… Eu desandei no ponto em que estava mencionando as placas dos ativistas evangélicos americanos, lembra? Bom, quando eu vi a placa falando sobre o Sangue de Jesus a primeira coisa que veio à minha mente foi como seria muito engraçado se houvesse um participante da Comic Con fantasiado de Jesus zumbi segurando exatamente aquela placa, a que tinha escrito “O sangue de Jesus irá lavar todo o mal”. Fui até o albergue em que eu estava hospedado pensando nisso.

Cedo na manhã seguinte vou até o refeitório do albergue para tomar café da manhã. Sendo uma das atividades mais legais quando se viaja, puxei conversa com o rapaz ao lado que também estava tomando café. Não lembro do diálogo exatamente, mas deve ter começado comigo perguntando se ele estava participando da Comic Con (dãaaa), ele mencionando que estava participando como expositor e que era desenhista de quadrinhos e eu imediatamente falando para ele: “CARA! Alguém tem que fazer um gibi sobre Jesus Zumbi, que adquire novos seguidores mordendo e arrancando pedaços da carne deles! Cara, sério!”.

Por uma dessas casualidades incríveis, não é que esse mesmo cara com quem eu estava conversando era o desenhista de um gibi chamado… ZOMBIE JESUS???

É isso aí, eu falei para ele “NO FUCKING WAY MOTHEFUCKER!” (hm… podem não ter sido essas exatas palavras) e eu pedi imediatamente para que ele desenhasse para mim o Zombie Jesus. Ele pegou uma folha de meu fiel bloquinho e fez justamente isso.

Zombie Jesus

Eu estava pasmo com a coincidência. Ele me falou que o gibi dele estaria exposto no balcão XX do corredor YY e que seria legal se eu passasse por lá e blah blah, todo esse papo de quadrinista querendo vender seu peixe.

Enfim, mais tarde na Comic Con eu encontrei o guichê dele e comprei um exemplar desta obra que é o ápice da cultura humana. Uma revista chamada… Zombie Jesus! Oh yeah!

Zombie Jesus

Bom, vou ser sincero. O gibi é uma porcaria. Se os muçulmanos ficaram ofendidos com o que a revista Charlie Hebdo fez com Maomé, eles deveria ter visto o que estes caras fizeram com Jesus.

A analogia de Jesus com mortos vivos é muito óbvia, e é muito fácil cair nos lugares-comuns e fazer uma história totalmente sem criatividade. Ao contrário do brilhante curta Fist of Jesus, que também explora (em uma visão cômica) como seria se os poderes de cura de Jesus na verdade transformassem seus seguidores em zumbis, o gibi Zombie Jesus tem uma sequência muito óbvia de eventos: Jesus morre, volta como zumbi, transforma seus seguidores em zumbis, é caçado pelos romanos, capturado, levado para ser morto por leões famintos no Coliseu, então transforma os leões em zumbis, mata todo mundo e continua vagando por aí conseguindo mais seguidores. A história é bem chata e os leões zumbis são particularmente apelões. Mas pelo menos há algumas pérolas interessantes que salvam um pouco a dignidade dos roteiristas desta obra.

Por exemplo, quando os legionários romanos cercam o Zombie Jesus e gritam para ele: “Heed our words and prepare for your final crucifixion” (“Jesus de Nazaré! Ouça nossas palavras e prepare-se para sua crucificação final”). Já que uma crucificação pelo visto não era suficiente…

Outra: quando Jesus é capturado e levado ao Coliseu para sua execução mas consegue transformar em zumbis os dois leões que iriam refestelar em sua carne, ele grita para o Imperador: “You cannot kill that which cannot be crucified” (“Você não pode matar o que não pode ser crucificado”). É uma frase muito profunda! E muito verdadeira! Por exemplo, pensemos em coisas que não podem ser crucificadas. Eu não consigo crucificar uma tesoura, logo não é possível matar uma tesoura! Lógica sem erros!

Zombie Jesus, além de uma máquina de matar, quero dizer, de converter, também tem seu senso de humor sarcástico. Logo antes do Imperador ser morto por seus legionários leais, Zombie Jesus compartilha sua sabedoria: “Rome was not eaten in a day. You will do well to remember that.” (“Roma não foi devorada em um dia. Você fará bem em lembrar-se disso”). Não teria que lembrar por muito tempo, já que o Imperador é morto logo em seguida.

Por último, você já pensou que talvez as palavras de Jesus na última ceia fossem literais? Pelo menos as de Zombie Jesus eram! “Who so eateth my flesh and drinketh my blood hath eternal life and I will raise him up for my flesh is meat and my blood is drink” (“Aquele que comer de minha carne e beber de meu sangue terá vida eterna e eu o erguerei pois minha carne é carne e meu sangue é bebida”).

Enfim, embora a qualidade do gibi fosse baixissima, foi muito legal conhecer o cara que desenhava Zombie Jesus na manhã seguinte ao dia em que pensei em como seria legal se houvesse um gibi sobre Jesus Zumbi.

É a magia da Comic Con… Onde todos os tipos de zumbi têm lugar…