Evolução do esporte
Originalmente publicado em 2013-08-20 00:20 no blog Patinete a vela.
Este é um texto que escrevi em 30 de agosto de 2004, mostrando o surgimento, evolução e consagração de uma prática esportiva fictícia. Ou será?
Domingão, dia quente de verão. A turma toda se reúne naquele churrasco anual da firma. Todos os funcionários e suas famílias divertem-se de forma descontraída, regada a cerveja, truco e muitas piadas. Como cerveja, sol e vadiagem combinam com bexiga cheia, em dado momento um grupinho de amigos resolve sair para dar uma aliviada.
No banheiro, cada um está se preparando em frente ao mictório para começar a enxurrada quando um deles dá a idéia…
– Vamos ver quem consegue mijar por mais tempo? O Zezão pode cronometrar! (Zezão, é claro, é o infeliz que não conseguiu ocupar um dos mictórios a tempo).
A idéia é apoiada e após o grito de largada os quatro que tiveram a sorte de chegar ao mictório começam a sua descarga.
Passam sete segundos, o João desiste. Doze segundos, acaba a pressão no Luís. Quinze segundos, Miguel e Zeca empatados… Vinte segundos… Vinte dois, Miguel quase molha a mão e o Zeca vence a rodada!!
É claro, a estória vira motivo de comemoração e poucos minutos depois todos os homens do churrasco já estão sabendo da proeza do Zeca e acham muito legal! E claro, todos se consideram OS mijadores e estão querendo também mostrar seus dotes! Alguém toma a iniciativa e sugere:
– Galera, daqui a duas horas vamos fazer um torneio de mijada, bebam o quanto puderem e vamos nos encontrar em frente a aquele mato atrás do campo de futebol!
Duas horas se passam e os atletas reúnem-se no mato. Todos os participantes assumem suas posições. Ao lado de cada um deles, um voluntário irá dar um grito quando o jato cessar e outro indivíduo irá anotar o tempo em que cada atleta for parando. E assim faz-se história.
Ninguém sabe quem ganhou aquele torneio. Mas ele tornou-se uma daquelas pequenas lendas urbanas de escritório – todos comentavam com saudades, exagerando um pouco a história para aqueles que não puderam comparecer ao churrasco e sentindo-se heróis por terem participado de evento tão marcante.
Mas não morreu por aí! No ano seguinte inteiro, todos comentavam o torneio e falavam como deveriam fazer um outro torneio exatamente igual no próximo churrasco. Todos contavam entusiasmados como iriam tomar bastante cerveja nos dias anteriores para acostumarem-se ao “tranco” e terem uma chance de vitória.
E o Fred, muito espertinho, garante que descobriu uma técnica infalível para ganhar o torneio. Todos riem. Logo o Fred, ele tem cara de ter uma bexiga tão pequenina…
E o churrasco anual chega! Alguns dos homens trazem uns amigos curiosos que querem participar ou ao menos observar. O churrasco inteiro passa na expectativa. A regra é clara – a partir de meio dia, todos têm quatro horas para beberem o quanto puderem e depois se reunir no campo de batalha. Ninguém lembra das bravatas do Fred. Este não faz questão de que os outros lembrem.
É chegada a hora, todos assumem posições, começa a cascata…
Dez segundos se passam, uns cinco já desistem. Vinte segundos, sobram apenas três competindo. Entre eles, o Fred. Trinta segundos, quarenta, cinquenta, sobram apenas dois concorrentes. UM MINUTO se passa e o Fred é o único que resiste! Todos se surpreendem quando passa de um minuto e vinte e o Fred – doravante o Bexiguinha de Ouro, continua na luta!
Mas alguém que teve a curiosidade (e extremo mau gosto) de olhar de perto percebe a estratégia do famigerado Fred… Este, ao invés de fazer um jato contínuo, como todos esforçaram-se para fazer, conseguiu de alguma forma “modular” sua mijada, lançando pulsos descontínuos e desta forma conseguindo guardar mais munição!
Fred é vencedor, mas há descontentamento geral.
– Puxa, dessa forma não se está avaliando as habilidades individuais! É um claro indício de violação de regulamentos!
Mas infelizmente, não é uma violação. O esporte (se pode ser chamado assim) ainda não tem regulamentos – isto deve surgir com o tempo. E o primeiro regulamento é instituído: será caracterizado como fim de mijada o exato instante em que o jato tiver interrupção – não importa se há mais depois!
No escritório, todos comentam. Os amigos dos funcionários também comentam. Esta parada está virando um sucesso! Logo, ninguém mais quer esperar pelo churrasco. Alguém já sugere: Vamos marcar uma cervejada e fazer um torneio novamente!
O José sugere que seja cobrada uma pequena taxa de inscrição, que financiará um troféu e o dinheiro que sobrar será utilizado para eventos futuros. Quem sabe, poderá ser formado um clube, com direito a penico com emblema e até camiseta!
É marcado o torneio, dezenas de pessoas inscrevem-se. Os veteranos dos primeiros torneios já andaram treinando seus tempos durante as penosas horas de trabalho. Os novatos estão apreensivos – terei eu um tempo competitivo?
O torneio ocorre, respeitada a regra principal (o jato deverá ser contínuo) e o primeiro campeão do grande Torneio da Cascata Dourada sorridente leva seu troféu para casa.
O tempo passa, com torneios a cada ano. Existem poucas certezas no mundo – uma delas é que sempre no finzinho do ano haverá um torneio do CCD (Clube Cascata Dourada). Todos treinam em casa durante o ano. Começam a negligenciar a família. O torneio torna-se tudo para eles.
Até que, em certo dia, um competidor adquire uma vantagem enorme sobre os outros. Desde o Edito do Jato Contínuo, a competição havia passado a avaliar justamente a habilidade da bexiga. Mas um visionário conseguiu descobrir a técnica da modulação senoidal, garantindo pulsos de duração mais curta porém garantindo sempre um jatinho de menor intensidade, QUASE interrompendo o jato. Mas QUASE não é uma FALTA, e este camarada ganha o torneio.
E ganha o seguinte também! E ninguém mais consegue dominar esta técnica. E, nossa, o prêmio tem sido uma boa quantidade de dinheiro e NINGUÉM quer perder essa!
Mais um torneio é ganho pelo inventor da mijada senoidal, até que no torneio seguinte outra pessoa conseguiu dominar a técnica. Esse torneio foi extremamente tenso – ambos os competidores levaram a platéia à loucura ao atingir tempos de quase três minutos!
Alguns reclamam do fato de que atletas amadores nem podem sonhar em competir com estes profissionais. Afinal, há pessoas que não podem se dedicar em tempo integral à prática esportiva!
E o torneio tornou-se algo seleto. Se você não domina a mijada senoidal, nem participe. Ou melhor, participe e tome uma lavada, porque seu dinheiro é muito bem vindo!
E ligas regionais são formadas. Atletas veteranos passam aos jovens entusiastas os seus segredos e técnicas. Torneios estaduais são organizados.
Mas os criadores da modalidade estão tristes. Seu esporte, que antes era uma atividade comunitária, brincadeira entre amigos, virou elitista. Apenas alguns que conseguem patrocínio realmente acabam tendo chance. Tempos assombrosos de cinco minutos já foram atingidos – nenhum amador atreve-se a competir.
E também começa o dopping! Alguém descobriu que a mistura de sal na bebida permite uma maior ingestão. Outros chegam a testar combinações de remédios que permitam segurar um maior volume. Cirurgias plásticas já foram tentadas!
Com o tempo, percebe-se a necessidade de criar categorias. Não é justo que o Ricardão, aquele gigante com a bexiga do tamanho de um balde compita com Juquinha, habilidoso porém limitado em tamanho.
E o espírito esportivo já sumiu faz tempo. Ninguém mais pratica a mijada ornamental por prazer – grandes quantidades de dinheiro estão envolvidas no esporte.
Passes são negociados, atletas bem sucedidos fazem propagandas para grifes de roupas esportivas. Esportistas aposentados fazem sua contribuição para a comunidade abrindo escolinhas de mijada, tirando as crianças da rua para que mijem em um ambiente mais seguro.
E hoje em dia, ninguém mais lembra daquele primeiro churrasco, da mijada descontraída e da alegria de ser vitorioso. Numa época em que se mijava por prazer, e não pelo dinheiro.